EDITORIAL DO ESTADÃO DE DOMINGO - 10/07 - PROPOSTA INFELIZ
A proposta do
ministro da Saúde, Ricardo Barros, para a criação de planos de saúde mais
baratos, feita durante audiência pública no Senado na última quarta-feira,
reforça a dúvida – levantada desde o anúncio de sua escolha – sobre a sua real
capacidade para bem gerir um dos setores mais importantes da administração
federal. Embora Barros tenha se limitado a adiantar tão somente as linhas
gerais da proposta, especialistas na questão reagiram prontamente e em termos
duros.
Aqueles planos,
com cobertura obrigatória menor – e por isso mesmo mais em conta –, atrairiam
um grande número de pessoas, o que diminuiria a procura pelos serviços do
Sistema Único de Saúde (SUS). Por um lado, isso aliviaria as dificuldades
financeiras do SUS e, por outro, como diz Barros, “renderia mais conforto para
a população que quer um plano de saúde e não pode arcar com os custos”. O plano
capaz de operar essa mágica ainda vai ser elaborado por técnicos do Ministério
da Saúde. Sua implementação, porém, dependerá do que pensa a respeito a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), à qual cabe a regulamentação dos planos de
saúde.
Segundo o
ministro, não existe ainda uma estimativa do número de pessoas que poderiam
aderir aos planos atraídas pelo seu menor custo. Ele não soube explicar também
se a proposta abrange os planos empresariais e individuais ou apenas um desses
segmentos. Em resumo, Barros e seus assessores têm uma ideia muito vaga do que
desejam, o que é incompatível com a importância do que está em jogo. É preciso
bem mais que isso – como os estudos preliminares que existem exatamente para
esse fim – para que tal proposta possa ser considerada seriamente.
Nada disso
impediu o ministro de pontificar sobre um assunto que, está se vendo, domina
mal. Depois de argumentar que os planos mais baratos ajudariam a reduzir a
pressão sobre o sistema público de saúde, Barros afirmou: “Eu trabalho com a
realidade que temos no Brasil. O orçamento é finito. Não há recursos
ilimitados”. Ninguém, é claro, nega essas obviedades. Como também a outra que
enunciou: não é o momento de lutar por mais recursos públicos para a saúde,
tendo em vista a crise, mas tentar tirar o máximo do que se tem.
Há muito mesmo a
se fazer para aplicar melhor os recursos do SUS, como é público e notório, e há
muito tempo. Mas isso, a rigor, nada tem a ver com a proposta do ministro, que,
em vez de resolver os atuais, pode criar outros e sérios problemas na área da
saúde, como se depreende das críticas feitas a ela por especialistas.
A advogada
Renata Vilhena, especializada em saúde suplementar, por exemplo, afirma que,
com atendimento limitado por planos baratos, os que a eles aderirem vão ter,
evidentemente, de continuar recorrendo ao SUS, sendo por isso uma ilusão
imaginar que tais planos ajudarão a desafogar a rede pública.
Por sua vez,
Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chama
a atenção para outro aspecto da maior importância: se a rede privada de
médicos, laboratórios e hospitais já não dá conta de atender a contento à demanda
atual dos planos, como é sabido, é fácil imaginar o que acontecerá com o
significativo aumento dos clientes pretendido pelo ministro.
“Houve um
aumento de usuários sem que a rede credenciada tivesse uma expansão
proporcional. O resultado foi visto: longas filas de espera para marcar
consultas, exames, cirurgias”, lembra ela.
É verdade: as
empresas de saúde privada não investiram na expansão da rede, ao mesmo tempo
que aumentavam o número de seus clientes, vendendo o que não podiam entregar,
com a complacência dos governos do PT, que com isso se sentiram desobrigados de
investir no SUS. Daí o enorme desequilíbrio entre demanda e oferta nesse setor.
O ministro
Barros não sabe disso? Nem seus assessores? Ou alguém abre seus olhos a tempo
ou essa desastrada proposta tem tudo para agravar ainda mais esse quadro.
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