O artigo abaixo é da lavra do assessor jurídico Fabrício Rabelo, publicado no Jus Brasil e 20/09/2014, com o qual concordo plenamente, pois seria um absurdo um cidadão possuidor de arma registrada, mas sem a renovação do registro, vir a ser sancionado penalmente. A decisão do STJ, sem dúvida constitui um avança contra a ideologia esquerdista que pretende sublimar os bandidos e criminalizar o cidadão de bem. Vejam o artigo com a decisão do Superior Tribunal de Justiça:
O Superior Tribunal de Justiça
lançou nova luz sobre o tratamento penal da posse irregular de arma de fogo. No
julgamento do habeas corpus nº 294.078, originário de São Paulo, a corte, por
sua Quinta Turma, pela primeira vez afastou a configuração de crime por alguém
manter em seu poder uma arma de fogo com registro vencido. Um importantíssimo
precedente que, embora ainda não refletindo a maioria do entendimento sobre o
tema - inclusive naquele próprio tribunal -, pode indicar uma significativa
evolução, não só na aplicação do vigente estatuto do desarmamento, mas na
própria alteração das leis que regulamentam o acesso a armas.
Previsto no artigo 12 do atual
estatuto, o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido
permaneceu sem aplicação prática até 31 de dezembro de 2009, época até a qual
foi possibilitado aos possuidores de tais artefatos promover seu
recadastramento ou registro inicial junto à Polícia Federal, num procedimento
popularmente conhecido como “anistia”.
A matéria foi regulamentada nos
artigos 5º, § 3º, e 30 da Lei 10.826/03, com a prorrogação estabelecida no
artigo 20 da Lei nº 11.922/09:
Lei 10.826/03 | Art. 5º (...)
§ 3º O proprietário de arma de
fogo com certificados de registro de propriedade expedido por órgão estadual ou
do Distrito Federal até a data da publicação desta Lei que não optar pela
entrega espontânea prevista no art. 32 desta Lei deverá renová-lo mediante o
pertinente registro federal, até o dia 31 de dezembro de 2008, ante a
apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência
fixa, ficando dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais
exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º desta Lei.
[...]
Art. 30. Os possuidores e
proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão
solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação
de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa,
acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse,
pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual
constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando
este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências
constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º desta Lei.”
Lei 11922/09 | “Art. 20. Ficam
prorrogados para 31 de dezembro de 2009 os prazos de que tratam o § 3º do art.
5º e o art. 30, ambos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.
Encerrado o prazo, todas as armas
passaram a exigir a renovação de seus registros a cada três anos (Lei
10.826/03, art. 5º, § 2º) e o tipo penal adquiriu sua plena eficácia. Desde
então, vem sendo responsável por boa parte das condenações derivadas do próprio
estatuto do desarmamento e é graças a ele, inclusive, que os ideólogos
antiarmas conseguem, capciosamente, sustentar até hoje a alegação de que boa
parte das armas envolvidas em crimes um dia tiveram origem lícita.
Isso porque, até a recente
decisão do STJ, a irregularidade na posse da arma para a configuração do delito
era tomada em sentido amplo, sendo equiparadas as armas jamais registradas e
aquelas cujo registro teve sua validade expirada. Assim, se alguém que um dia
comprou legalmente uma arma simplesmente deixou de renovar seu registro, já
estava praticando um crime, ainda que exclusivamente restrito à própria posse
daquela, ou seja, bastava que uma arma de origem lícita tivesse seu registro
vencido para já ser considerada uma “arma do crime”.
O entendimento agora alcançado,
contudo, estabeleceu nítida distinção entre a posse intencionalmente irregular
e aquela decorrente da mera inobservância de um procedimento burocrático.
Conforme entenderam os ministros do STJ, acompanhando o voto do relator Marco
Aurélio Bellizze, se uma arma foi originalmente registrada, a ausência de
renovação do respectivo registro “não pode extrapolar a esfera administrativa”,
não se prestando, portanto, à configuração de crime, uma vez que, para o
Direito Penal, a mera falta daquela renovação não apresenta relevância capaz de
automaticamente transformar o proprietário da arma em criminoso. Com isso, a
ele podem ser aplicadas, tão somente, sanções de âmbito administrativo, mas não
penais.
O voto condutor segue a linha intelectiva
que reconhece a necessidade de observância, na aplicação das leis penais, do
princípio da fragmentariedade, sedimentando, num desdobramento do próprio
princípio da insignificância, a tendência da intervenção penal mínima. O
entendimento é assim elucidativamente delineado pelo Relator:
"Todavia, no meu entender,
estando registro vencido, a questão não pode extrapolar a esfera
administrativa, uma vez que ausente a tipicidade imprescindível para a
caracterização de ilícito penal, e aqui me refiro à tipicidade material, a qual
surgiu de construção doutrinária na busca pela observância da natureza
fragmentária e subsidiária do Direto Penal, aplicável àquelas condutas que não
atingem de forma socialmente relevante o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora."
Além da inédita análise técnica
sob o prisma penal, a decisão também pode ser considerada um marco crítico à já
desgastada legislação vigente. Ao proferir o voto, acompanhado à unanimidade
pela turma julgadora, o relator rotulou de “absurda e desnecessária” a
exigência de renovação de registros de arma de fogo a cada três anos, ao tempo
em que ilustrou a possibilidade de adequada evolução legislativa com o Projeto
de Lei nº 3722/12, que, revogando o estatuto do desarmamento e estabelecendo novo
conjunto de regras sobre a circulação de armas no país, “somente prevê como
típica a conduta de possuir arma de fogo sem registro”.
Definitivamente, é uma decisão de
extrema relevância e digna de ser comemorada, não só no meio jurídico, mas em
toda a sociedade. Não se desconhece o fato de, conforme registrado nela
própria, subsistir entendimento diverso sobre o assunto; porém, a hegemonia
deste foi quebrada e, com isso, abrem-se as portas para mudanças ainda mais
profundas.
Afinal, ao se reconhecer que um
mero registro de arma vencido não autoriza a caracterização de um crime, não
mais se justifica impedir que a exigência burocrática para a sua posse seja
regularizada a qualquer tempo, tornando permanente aquela anistia vigente até
2009. Esta, aliás, é outra evolução contida no mesmo PL 3722 citado no voto,
cuja análise, como se vê, já extrapolou o Poder Legislativo e alcançou o
Judiciário, só restando esperar que, concretizando o avanço ali sinalizado,
tenha seu ato final no Executivo, com a sanção necessária a que entre em vigor.
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